domingo, 8 de janeiro de 2012

Autor do mês de janeiro- Luís Vaz de Camões

Luís Vaz de Camões
1525(?) - 1580(?)


Luís Vaz de Camões nasceu em 1525 (?) e morreu em 1580 (?). Os seus restos mortais (?) encontram-se no mosteiro dos Jerónimos. Teve uma existência atribulada, atendendo ao pouco que dela se conhece. Estudou em Coimbra, esteve em Ceuta e lutou na Índia, tendo entretanto perdido um olho. Após o seu regresso a Lisboa, frequentou o Paço, mas viveu com dificuldades, de uma pensão régia exígua, não vendo reconhecido o seu mérito
A sua reputação afirmou-se como grande poeta da nacionalidade, não cessando de aumentar, sobretudo depois da perda da nossa independência. Nesse tempo, o sentimento de perda e de necessidade de encontrarmos a nossa identidade, levou a que a sua epopeia Os Lusíadas fosse valorizada pelos inconformados com a situação do país, pois ficámos sob o domínio filipino durante sessenta anos.
Cultivou também o teatro, mas afirmou-se sobretudo na poesia lírica (Rimas), com grande variedade de géneros: sonetos, canções, éclogas, redondilhas, entre outros.
É o grande poeta do maneirismo português, pela filiação na tradição clássica à maneira renascentista, mas sensível ao conhecimento pela experiência que a época e as viagens lhe proporcionaram.
A sua obra é enriquecida por uma vivência sensível do sentimento e do saber, modulada na imitação dos antigos, mas permeável às marcas contemporâneas de uma existência em mutação. Por isso, ela se carateriza por uma enorme complexidade, na qual sobressai a vivência aguda de tensões que comunicam ao seu lirismo uma agudeza simultaneamente experiencial e literária.


Luís Vaz de Camões – o expoente máximo do Renascimento em Portugal


Camões é o artista mais completo do Renascimento. Improvisa com a desenvoltura de um homem de espada, eleva-se, sem aparência de esforço, ao tom de uma corte cerimoniosa, faz reviver da Idade Média tanto a vida popular como o maneirismo aristocrático, retém da Antiguidade o vigor, a plenitude, o sentido da expressão justa e calculada, aproveita dos Castelhanos o pitoresco dos” modismos”, a fantasia imprevista no burlesco, assimila de Petrarca o jogo sábio das antíteses, a arte de requintar os sentimentos delicados. Nele se perpetua a melancolia chorosa e langorosa do bucolismo nacional. Tão capaz de calçar um coturno estreito como de se expandir em livres confidências, brinca com todos os ritmos, põe-se todo inteiro numa obra diversa, múltipla, onde ressoa a trombeta heroica, onde geme a flauta pastoril, onde retine, como uma dissonância aguda, a ironia vingadora.
George Le Gentil, Les Cent Chefs-d’oeuvre Étrangers (trad. de Hernâni Cidade)


A sua poesia
Em Camões coexistiu a poesia com sabor trovadoresco dos Cancioneiros (“medida velha”) com uma poesia cujos modelos formais e temática (“medida nova”) revelam a cultura humanística e clássica do autor, que soube encontrar em Platão, Petrarca ou Dante um mentor ou um mestre para o caminho que trilhou e explorou com sabedoria, com entusiasmo e com a paixão do seu temperamento.
Cantando o amor sublime ou a relação mais fútil, o Poeta soube como poucos definir-se e definir a alma humana, oferecendo-nos a sua experiência de vida ou o mundo no seu desconcerto, com os seus problemas sociais e morais e a eterna questão do mal que aflige a Humanidade. Os temas da sua lírica são vastos e variados, indo da análise da sua vida interior à caraterização da realidade do seu tempo ou à busca do dimensionamento do homem universal.

As composições líricas de Camões oscilam entre dois pólos: o lirismo confessional, em que o autor dá expressão à sua experiência íntima, e a poesia de pura arte, em que pretende transpor os sentimentos e os temas a um plano formal, lúdico.
Neste segundo pólo, Camões revela-se um subtil ourives de composições delicadas e gráceis, discretamente preciosas, fabricadas com o ouro dos cabelos do sol, com o verde dos campos e dos olhos, o resplandecimento dos olhares e das águas, tudo ordenado em antíteses e paradoxos, segundo linhas enredadas mas geométricas. É nas redondilhas sobretudo, género tradicional da “antiga Espanha”, que Camões pratica este tipo de poesia, que marca a passagem do escolasticismo do Cancioneiro Geral para o conceptismo barroco.
Também nas redondilhas em estilo conceptista Camões desenvolve temas inspirados por uma reflexão sobre a situação existencial.
António José Saraiva, Iniciação na Literatura Portuguesa, Gradiva, 1996

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o tempo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E, do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.



Amor é fogo que arde sem se ver


Amor é fogo que arde sem se ver
Amor é fogo que arde sem se ver
É ferida que dói e não se sente
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer

É um não querer mais que bem querer
É solitário andar por entre a gente
É nunca contentar-se de contente
É cuidar que se ganha em se perder

É querer estar preso por vontade
É servir a quem vence, o vencedor
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?



Pois meus olhos não cansam de chorar
tristezas, que não cansam de cansar-me;
pois não abranda o fogo, em que abrasar-me
pôde quem eu jamais pude abrandar:

não canse o cego Amor de me guiar
a parte donde não saiba tornar-me:
nem deixa o mundo todo de escutar-me,
enquanto me a voz fraca não deixar.

E se em montes, rios, ou em vales,
piedade mora, ou dentro mora amor
em feras, aves, plantas, pedras, águas,

ouçam a longa história de meus males
e curem sua dor com minha dor;
que grandes mágoas podem curar mágoas.


Endechas a Bárbara Escrava

Aquela cativa
Que me tem cativo
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que para meus olhos
Fosse mais formosa.

Nem no campo flores.
Nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.

Uma graça viva
Que neles lhe mora,
Para ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos.
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
Tão doce figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.

Presença serena
Que a tormenta amansa;
Nela enfim descansa
Toda a minha pena.
Esta é a cativa
Que me tem cativo,
E, pois nela vivo,
É força que viva.



Ao desconcerto do Mundo

Os bons vi sempre passar
No Mundo graves tormentos;
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que, só pera mim,
Anda o Mundo concertado.

Os Lusíadas, a grande epopeia nacional



Os Lusíadas, publicados em 1572, são a obra épica da Renascença. Camões, influenciado pelo mundo antigo, pelas epopeias clássicas de Homero (Ilíada e Odisseia) e de Vergílio (Eneida), canta o povo intrépido, exaltando o espírito do povo português que foi capaz da formação de Portugal e da expansão imperial. Tomando o povo como herói coletivo, reelabora a História, celebra o apogeu e pressente a decadência do império.
A epopeia Os Lusíadas celebra a ação grandiosa e heroica dos portugueses que deram início ao grande império que se estendeu pelos diversos continentes.
Mostra a história de um povo que teve a ousadia da aventura marítima, “dando novos mundos ao mundo”.


Camões imortalizou a grandeza e a força épica do povo português que destemidamente desafiou o desconhecido e deu novos mundos ao mundo. Celebrou no seu canto épico o povo português pioneiro na descoberta de um mundo novo, desafiando o desconhecido, ultrapassando o medo e todos os outros obstáculos. Exaltou a gesta marítima dos Descobrimentos. Enalteceu a comunicação estabelecida entre os povos e o conhecimento que se obteve da diversidade de culturas e tradições existentes nos diversos espaços geográficos por onde os nautas navegaram, alargando, desta forma, os horizontes da humanidade.

As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram:
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.
Proposição, Canto I

Os Lusíadas – edição online
www.oslusiadas.com/
Para Saber +

Grandes Portugueses





Sem comentários:

Enviar um comentário