quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Autor do Mês de Dezembro- Padre António Vieira

Padre António Vieira
(1608-1697)

Um dos homens mais notáveis de Portugal, um dos mestres da nossa língua, um dos primeiros pregadores do seu tempo, um homem cuja inteligência vastíssima abrangia todos os assuntos e resplandecia em todos os campos, o “imperador da língua portuguesa” como lhe chamou Fernando Pessoa.
Missionário
Pregador
Diplomata
Profeta
Escritor


Há homens que são como as velas; sacrificam-se, queimando-se para dar luz aos outros.
Padre António Vieira


Uma das mais influentes personalidades do século XVII…
Nasceu em Lisboa, a 6 de fevereiro de 1608, e aos seis anos partiu com a família para a Baía, no Brasil, onde o pai exercia a função de secretário da Governação. Estudou no colégio jesuíta da Baía e ingressou na Companhia de Jesus, recebendo ordens em 1634, adquirindo rapidamente grande fama como pregador. Em 1641, partiu para Lisboa com o governador, para apresentar ao rei D. João IV a adesão à causa da Restauração. O rei encarregou-o de várias missões diplomáticas na Holanda e em Roma. Não foi bem-sucedido, regressou novamente ao Brasil e dedicou-se à missionação dos índios.
Foi prodigiosa a sua ação como visitador e superior de todas as missões, atividade que o obrigava a permanentes viagens pelo interior do território. Foi o tempo, como ele afirmou, mais feliz da sua vida. Foi, também, um do período muito difícil e perigoso. A evangelização dos índios e a sua proteção ocuparam-no intensamente, mas o seu perfil combativo e enérgico despertou facilmente os rancores dos colonos e dos roceiros. Perante o elevado número de negros e negras que desembarcavam na Baía para serem submetidos à escravidão, Vieira não se calava e o conflito agravou-se. Durante um mês pregou todos os dias (são os sermões conhecidos como Rosa Mística, do Rosário), abordando o tema da escravatura. Os jesuítas foram acusados de obstar ao desenvolvimento económico do Brasil e os ódios atingiram o auge. Assim, em Maio de 1661, os colonos do Maranhão assaltaram a Companhia de Jesus e, logo a seguir, aconteceu o mesmo com a casa dos membros da Ordem em Belém, onde se encontrava António Vieira. Os jesuítas foram insultados, agredidos e aprisionados em várias embarcações, reduzidos à miséria e à fome, tendo sido, por fim, expulsos do território brasileiro. Assim, em setembro de 1661, todos os religiosos, incluindo Vieira, são postos na nau Sacramento e enviados para Lisboa.
Após a morte de D. João IV, a Inquisição acusou-o de professar opiniões heréticas (1662-1667), mas foi absolvido com a subida ao trono de D. Pedro II. Depois de novo e intenso período de trabalho como diplomata em Roma e como pregador, regressou definitivamente à Baía, entregando-se à tarefa de continuar a edição completa dos Sermões iniciada em 1679. Morreu com quase 90 anos de idade. Além dos Sermões (13 tomos publicados entre 1679 e 1699), escreveu Esperanças de Portugal, Clavis Prophetarum e História do Futuro.

A prosa de intervenção…

Como orador e artista da prosa seiscentista, a sua obra – sobretudo os Sermões – anda estritamente ligada ao seu tempo e à sua vida. Considerado o maior orador sacro de Portugal, dominou todo o século XVII pela sua personalidade vigorosa, entregue completamente à luta pelos direitos dos oprimidos e por um Portugal independente.
A sua obra, de que é indissociável a sua intensa ação como homem público, compõe-se de cerca de duzentos sermões, mais de quinhentas cartas e uma série de documentos vários – de política, diplomacia, profecia e religião - onde demonstra uma profunda capacidade de análise e denúncia dos vícios humanos, com grande realismo e inteligência implacável na sua ação moralista.

Do púlpito, interrogou, desafiou, acusou, invocou, apelou, apoiou, afastou, recusou…
Bateu-se até à morte pelos grandes ideais da sua vida: a defesa dos oprimidos, a libertação dos escravos índios do Brasil, a liberdade de crença para os judeus…

Vieira e o V Império

O Padre António Vieira, ao desenvolver o mito do Quinto Império, considerava que, depois dos grandes impérios do passado, chegaria o Império Universal Cristão, o Quinto Império, liderado pelo Rei de Portugal. Em História do Futuro, declarou: "Chamamos Império Quinto ao novo e futuro que mostrará o discurso desta nossa História; o qual se há de seguir ao Império Romano na mesma forma de sucessão em que o Romano se seguiu ao Grego, o Grego ao Persa e o Persa ao Assírio". Mais tarde, Fernando Pessoa, na obra Mensagem, anunciou um novo império civilizacional, que, como Vieira, acreditava ser o português.
Com uma construção literária e argumentativa notáveis, os seus sermões revelam uma intensa ligação com a vida pública, o que resulta numa prosa eminentemente funcional, mas que não perde nunca o nível de universalidade necessário a toda a obra de arte perdurável.
Possuidor de uma inteligência poderosíssima, Padre António Vieira arquitetou mundos à medida dos seus sonhos e deixou-nos como legado uma obra que se afirmaria como um dos paradigmas da prosa portuguesa.

Alguns dos seus sermões…
Sermão da Conceição da Virgem Senhora Nossa (1635)
Sermão de Nossa Senhora do Ó (1640)
Sermão dos Bons Anos (1641)
Sermão do Mandato (1643)
Sermão da Terceira Dominga do Advento (1644)
Sermão da Primeira Sexta-Feira da Quaresma (1644)
Sermão do Mandato (1645)
Sermão da Primeira Oitava da Páscoa (1647)
Sermão da Dominga Vigésima-Segunda depois de Pentecostes (1649)
Sermão da Primeira Dominga do Advento (1650)
Sermão do Mandato (1650)
Sermão de Santo António aos Peixes (1654)
Sermão da Primeira Dominga da Quaresma (1653)
Sermão da Quinta Dominga da Quaresma (1654)
Sermão da Sexagésima (1655)
Sermão do Bom Ladrão (1655)
Sermão da Terceira Dominga da Quaresma (1655)
Sermão de Dia de Ramos (1656)
Sermão da Quarta Dominga da Quaresma (1657)
Sermão da Sexta -Feira da Quaresma (1662)
Sermão da Quarta Dominga da Quaresma (1661)
Sermão da Terceira Quarta-Feira da Quaresma (1669)
Sermão do Mandato (1670)
Sermão de Quarta-Feira de Cinza (1672)
Sermão da Rainha Santa Isabel (1674)
Sermão da Primeira Dominga do Advento
Sermão da Quarta Dominga do Advento
Sermão do Nascimento do Menino Deus
Sermão da Dominga Décima-Sexta depois de Pentecostes

E, com toda a razão e sabedoria emotiva, Fernando Pessoa consagrou-o definitivamente no poema-livro Mensagem, de exaltação épica e patriótica:

ANTÓNIO VIEIRA
O céu strella o azul e tem grandeza.
Este, que teve a fama e à glória tem,
Imperador da língua portugueza,
Foi-nos um céu também.

No immenso espaço seu de meditar,
Constellado de fórma e de visão,
Surge, prenuncio claro do luar,
El-Rei D. Sebastião.

Mas não, não é luar: é luz do ethereo.
E’ um dia; e, no céu amplo de desejo,
A madrugada irreal do Quinto Imperio
Doira as margens do Tejo.

Algumas das suas palavras…
Se no passado se vê o futuro, e no futuro se vê o passado, segue-se que no passado e no futuro se vê o presente, porque o presente é o futuro do passado, e o mesmo presente é o passado do futuro.
in Sermão de Quarta feira de Cinzas
, Roma, 1672


As imagens de escultura fazem-se tirando; as de pintura, pondo: para este tirar é necessário muito desinteresse; para este pôr e acrescentar muita prudência, muita justiça, muita inteireza, muita constância, e outras grandes virtudes, que mais facilmente faltam todas que se acham juntas.
in Sermão da 22ª Dominga de Pentecostes


Quando o lavrador quer plantar de novo em mata brava, mete primeiro o machado, corta, derriba, queima, arranca, alimpa, cava e depois planta e semeia. Quando o arquiteto quer fabricar de novo sobre edifício velho e arruinado, também começa derribando, desfazendo, arrasando e arrancando até os fundamentos, e depois sobre o novo alicerce levanta nova traça e novo edifício. Assim o faz e sempre fez o supremo criador e artífice do mundo, quando quis plantar e edificar de novo.
in História do Futuro


Nós somos o que fazemos. O que não se faz não existe. Portanto, só existimos quando fazemos. Nos dias que não fazemos, apenas duramos.


Para falar ao vento bastam palavras. Para falar ao coração, é preciso obras.


Para ensinar é necessário amar e saber, porque quem não ama não quer e quem não sabe não pode.


Toda a vida (ainda das coisas que não têm vida) não é mais que uma união. Uma união de pedras é um edifício; uma união de tábuas é um navio; uma união de homens é um exército. E sem esta união, tudo perde o nome e mais o ser. O edifício sem união: o navio sem união é naufrágio; o exército sem união é despojo, é ruína. Até o homem (cuja vida consiste na união do corpo e da alma) com união é homem, sem união é cadáver.


As suas críticas são intemporais…
A terra continua a estar corrupta...
Os homens exploram-se uns aos outros…

À distância de quatro séculos, as situações de injustiça social prevalecem no mundo.
A terra continua a estar corrupta.

Como é possível que isto aconteça?
Como é possível?

Já pensaste nisto?
Já fizeste algum gesto para contribuíres para a mudança?

Pensa nisso!


Para saberes mais...

alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/vieira.htm
Manoel de Oliveira, Palavra e Utopia:








Documentário “Grandes Livros” – Sermão de Santo António aos Peixes: